Esta obra expõe ideias e costumes normalizados em sua época
Meu caro Senhor Assírio, eu lhe tinha a perguntar se de fato está satisfeito com a vida.
Nós nos havíamos introduzido no elegante porão do [Theatro] Municipal e falávamos ao restaurante chique com água na boca. Este não tardou em responder:
– Sei, doutor. Rui Barbosa não tem igual.
– Mas por que você não vota nele?
– Não voto porque não o conheço intimamente, de perto, como já disse ao senhor. Antigamente...
– Você não pensava assim – não é?
– É verdade; mas, de uns tempos a esta parte, dei em pensar.
– Faz mal. O partido...
– Não falo mal do partido. Estou sempre com ele, mas não posso por meu próprio gosto dar sobre mim tanta força a um homem, de que eu não conheço o gênio muito bem.
– Mas, se é assim, você terá pouco que escolher a não ser, nós colegas e nós amigos de você.
– Entre esses eu não escolho, porque não vejo nenhum que tenha as luzes suficientes; mas tenho outros conhecidos, entre os quais posso procurar a pessoa para me governar, guiar e aconselhar.
– Quem é?
– É o doutor.
– Eu?
– Sim, é o senhor.
– Mas, eu mesmo? Ora...
– É a única pessoa de hoje que vejo nas condições e que conheço. O senhor é do partido, e votando no senhor, não vou contra ele.
– De forma que você...
– Voto no senhor, para presidente da república.
– É voto perdido...
– Não tem nada; mas voto de acordo com o que penso. Parece que sigo o que está no manifesto assinado pelo senhor e outros. “Guiados pela nossa consciência e obedecendo o dever de todo republicano de consultá-la”...
– Chega, Felício.
– Não é isso?
– É, mas você deve concordar que um eleitor arregimentado tem de obedecer ao chefe.
– Sei, mas isto é quando se trata de um deputado ou senador, mas para presidente, que tem todos os trunfos na mão, a coisa é outra. É o que penso. Demais...
– Você está com teorias estranhas, subversivas...
– Estou, meu caro senhor; estou, imagine que não há dia em que não me veja abarbado com um banquete.
– É assim?
– Pois não, meu digno senhor. Um poeta publica um livro e logo encomendam-me um banquete com todos os “ff” e “rr”; os jornais publicam a lista dos convidados, ao dia seguinte, e o meu nome se espalha por este país todo. Se acontece alguém escrever uma crônica feliz, zás!, banquete, retrato e nome nos jornais. Se, por acaso...
– Notamos – interrompi eu – que nas suas festanças não há mulheres.
– Já observei isto aos "dilettanti" [amadores] de banquetes e, até, lhes ofereci organizar um quadro de convidadas.
– Que eles disseram?
– Penso que eles não querem rivalidades femininas. Já as têm em bom número masculinas.
– E as flores?
– Com isso não me preocupo, porque, às vezes, elas me servem para meia dúzia de banquetes. Os rapazes não reparam nisso.
– E as iguarias?
– Oh! Isso? Também não vale nada. Basta uns nomes arrevesados, para que os nossos Lúculos [cônsul romano] comam gato por lebre. Mas a minha maior gratidão é...
– Por quem?
– Pela Secretaria do Exterior. Um cidadão é promovido de segundo secretário a primeiro, banquete; um outro passa de amanuense a segundo secretário, banquete... Herança do Rio Branco!... Outro dia, como o Serapião passasse de servente a contínuo, logo lhe ofereceram um banquete.
– Os serventes?
– Não; todos os empregados. Que gente boa, meu caro senhor.
Deixamos o Senhor Assírio cheio de uma terna beatitude agradecida por tão bela gente que se banqueteia.
Texto Original publicado na "Marginália"
em 26/11/1921 (RJ)
Atualizado gramaticalmente
por Victor Hugo
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