Livro-base "Preconceito Linguístico" de Marcos Bagno
1) “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Este é o maior e mais sério dos mitos que compõem a mitologia do preconceito linguístico no Brasil. Ele está tão firmado em nossa cultura que até mesmo intelectuais de renome, críticos e geralmente bons observadores dos fenômenos sociais brasileiros, se deixam enganar por ele. Em que aspecto isso é prejudicial à educação?
Resposta: Ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 180 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização.
2) Muitos estudos empreendidos por diversos pesquisadores têm mostrado que os falantes das variedades linguísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades em compreender as mensagens enviadas para eles pelo poder público, que se serve apenas da língua-padrão. Como isso tem afetado às pessoas que desconhecem a norma-padrão da língua?
Resposta: A discriminação social começa, portanto, já no texto da Constituição, no qual relata que “todos os indivíduos são iguais perante a lei”. Não que a Constituição deveria ser escrita em língua-não-padrão, mas sim que todos os brasileiros a que ela se refere deveriam ter acesso mais amplo e democrático a essa língua-padrão oficial, que exclui serviços a que têm direito por não entender a linguagem usada pelos órgãos públicos.
3) Qual é essa história de dizer que brasileiro não sabe português e que só em Portugal se fala bem o português? Trata-se de um grande deslize, infelizmente de geração a geração pelo o ensino tradicional da gramática na escola. O brasileiro sabe português, sim. Acontece que o nosso português é diferente do português falado em Portugal. Por que há tanta insistência neste termo? Há alguma semelhança?
Resposta: Quando dizemos que no Brasil se fala português, usamos esse nome simplesmente por comodidade e por uma razão histórica, justamente a de termos sido uma colônia de Portugal. A língua falada no Brasil já tem uma gramática, isto é, tem regras de funcionamento, que cada vez mais se diferencia da gramática da língua falada em Portugal. O único nível em que ainda é possível uma compreensão quase totalmente entre brasileiros e portugueses é a da língua escrita formal, porque a ortografia é praticamente a mesma, com poucas diferenças.
4) O mito de que brasileiro não sabe português, também afeta o ensino de línguas estrangeiras. Professores que lecionam disciplinas de línguas estrangeiras têm um grande desânimo na questão de ensinar as mesmas. É muito comum ouvi-los dizer: Os alunos já não sabem português, imagine se vão conseguir aprender outra língua, fazendo confusão entre a língua e a gramática normativa. De onde vem essa culpa que causa tanta confusão?
Resposta: É muito fácil atribuir aos outros a culpa do nosso próprio fracasso. Assim, em vez de buscar as causas da dificuldade de ensino na metodologia empregada, nas diferenças de aptidão individual para o aprendizado de línguas ou na competência do próprio professor, é muito mais cômodo jogar a culpa no aluno ou na incompetência linguística inata do brasileiro.
5) O nosso ensino da língua sempre se baseou na norma gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil. Por isso achamos que portuguesa é uma língua difícil. Será realmente que a língua portuguesa é tão complexa assim, ao ponto da população criar tanto preconceito em relação à mesma? Por que esse preconceito?
Resposta: No dia em que o nosso ensino de português se concentrar no uso real, vivo e verdadeiro da língua portuguesa do Brasil, é bem provável que ninguém mais continue a repetir esse deslize. Entretanto o preconceito é o fato de termos de decorar conceitos e fixar regras que não significam nada para nós, de que o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português.
6) Tantas pessoas continuam a repetir que português é difícil é porque o ensino tradicional da língua no Brasil não leva em conta o uso brasileiro do português. Pessoa que terminam seus estudos, depois de onze anos de ensino fundamental e médio, sentindo-se incompetentes para redigir o que quer que seja. O que contribui ou contribuiu para tal insistência destas pessoas?
Resposta: Se durante todos esses anos os professores tivessem chamado a atenção dos alunos para o que é realmente interessante e importante, se tivessem desenvolvido as habilidades de expressão dos alunos, em vez de entupir suas aulas com regras ilógicas e nomenclaturas incoerentes, as pessoas se sentiriam mais confiantes no momento de usar os recursos do seu idioma.
7) Qualquer manifestação linguística que escape do triângulo escola-gramática-dicionário é considerada sob a ótica do preconceito linguístico como “errada”, “feia”, “rudimentar”, “deficiente”, e não é raro a gente ouvir que isso não é português. Em que se baseia o preconceito linguístico?
Resposta: O preconceito linguístico tem como base a crença de que só existe uma única língua portuguesa digna desse nome e que seria ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários.
8) O mito N°5 fala que o lugar onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão. Segundo o autor como se explica esta afirmação?
Resposta: Esse mito nasceu da velha posição de subserviência em relação ao português de Portugal. No Maranhão ainda se usa com grande regularidade o pronome tu seguido das formas verbais clássicas com a terminação em “s”. Ex. tu vais. Por esse arcaísmo, por essa conservação de um único aspecto da linguagem clássica literária que coincide com a língua falada em Portugal ainda hoje.
9) Diante de uma tabuleta escrita COLÉGIO é provável que um pernambucano diga còlégio, quem um carioca diga culégio, e que um paulistano diga côlégio. Como podemos definir estas diferenças?
Resposta: Em todas as línguas do mundo existe um fenômeno chamado “variação”, isto é, nenhuma língua é falada do mesmo jeito em todos os lugares, assim como nem todas as pessoas falam a própria língua de modo idêntico.
10) Toda variedade linguística é também o resultado de um processo histórico próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares. Por que o Português de São Luís do Maranhão e de Belém do Pará conservou o pronome tu?
Resposta: É por que nestas regiões no período colonial houve uma forte imigração de açorianos, cujo dialeto específico, influenciou a variedade de português brasileiro falado naqueles locais.
11) Durante mais de dois mil anos de estudos gramaticais se dedicaram exclusivamente à língua escrita literária, formal. Foi somente no começo do século XX, com o nascimento da ciência lingüística, que a língua falada passou a ser considerada como o verdadeiro objeto de estudo científico. Como podemos definir “a língua falada”?
Resposta: É a língua tal como foi aprendida pelo falante em seu contato com a família, e com a comunidade, logo nos primeiros anos de vida. É o instrumento básico da sobrevivência. Um grito de socorro tem muito mais eficácia do que essa mesma mensagem escrita.
12) Há cientistas que se dedicam especificamente a estudar as diferenças, semelhanças, inter-relações e interações que existem entre as duas modalidades, O que se espera do ensino tradicional da língua?
Resposta: O ensino tradicional quer que as pessoas falem sempre do mesmo modo como os grandes escritores escreveram suas obras. A gramática tradicional despreza totalmente os fenômenos da língua oral, e quer impor a ferro e a fogo a língua literária como a única forma legítima de falar e escrever, como a única manifestação linguística que merece ser estudada.
13) Na Gramática de Cipro e Infante o autor afirma: “A Gramática normativa estabelece a norma culta, ou seja, o padrão linguístico que socialmente é considerado modelar […] As línguas que têm forma escrita, como é o caso do português, necessitam da Gramática normativa para que se garanta a existência de um padrão linguístico uniforme […]”. Qual é o posicionamento de Marcos Bagno em relação a isso?
Resposta: Não é a gramática normativa que “estabelece” a norma culta. A tarefa de uma gramática seria, isso sim, definir; identificar e localizar os falantes cultos, coletar a língua usada por eles e descrever essa língua de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e metodológicos coerentes.
14) De acordo com Sírio Possenti, as primeiras gramáticas do Ocidente, as gregas, só foram elaboradas no século II a.C., mas muito antes disso já existia na Grécia uma literatura ampla e diversificada. Dessa forma, por que a gramática normativa, hoje, é o poder e o controle da língua?
Resposta: Houve uma inversão, pois as gramáticas foram elaboradas precisamente para descrever e fixar como “regras” e “padrões” as manifestações linguísticas usadas espontaneamente pelos escritores considerados dignos de admiração, modelos a ser imitados, ou seja, a gramática normativa é decorrência da língua, é subordinada a ela, dependente dela.
15) A gramática normativa não irá garantir a existência de um padrão linguístico. Os seres humanos nunca serão físico, psicológicos e socialmente idênticos e essa afirmação também é válida para o padrão linguístico, que pode até chegar a certo grau de uniformidade, mas nunca totalmente. Segundo Luiz Carlos Cagliari em Alfabetização e linguística, qual é o destino das gramáticas?
Resposta: Por sua própria natureza, uma gramática normativa está condenada ao fracasso, já que a linguagem é um fenômeno dinâmico e as línguas mudam com o tempo; e para continuar sendo a expressão do poder social demonstrado por um dialeto, a gramática normativa deveria mudar.
16) É de conhecimento de todos que a norma culta – por diversas razões de ordem política, econômica, social e cultural – é algo reservado a poucas pessoas. Baseado nisso, é correto afirma que o domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social?
Resposta: O autor alega que se isso fosse verdade os professores de português ocupariam o topo da pirâmide social, econômica e política do país e faz um paralelo com um fazendeiro com pouco estudo, porém com grande influência política e que jamais será corrigido em seus erros de fala e escrita. Ele afirma também que de nada vai adiantar dominar a norma culta se os cidadãos não têm seus direitos reconhecidos como água encanada, luz elétrica e rede de esgoto.
17) O autor afirma que não basta ensinar a norma culta a uma criança pobre para que ela “suba na vida”. Quais premissas ele usa para justificar essa afirmação?
Resposta: Ele afirma que de nada adianta o domínio da norma culta se os brasileiros não têm seus direitos básicos assegurados. O que está em jogo não é a simples “transformação” de um indivíduo, que vai deixar de ser um “sem-língua” para tornar-se um falante da variedade culta. O que está em jogo é a transformação da sociedade como um todo.
18) Marcos Bagno afirma que “falar da língua é falar de política” e que esta reflexão política deve ser constante nas nossas posturas teóricas e de nossas atitudes práticas de cidadão, de professor e de cientista. Que argumentos o autor utiliza?
Resposta: É preciso garantir a todos os brasileiros o reconhecimento da variação linguística, porque o mero domínio da norma culta não é uma fórmula mágica que, de um momento para outro, vai resolver todos os problemas de um indivíduo carente. É preciso, também, garantir o acesso à educação em seu sentido mais amplo, aos bens culturais, à saúde e à habitação, ao transporte, ou seja, uma vida digna de um cidadão de respeito. Hoje os indivíduos que detêm o poder no Brasil nem sempre são falantes da norma culta, mas são, em grande maioria, homens, brancos, heterossexuais, nascidos /criados na porção Sul-Sudeste ou oriundos das oligarquias feudais do Nordeste.
Perguntas do Capítulo II
O círculo vicioso do preconceito linguístico
19) O autor define no capítulo II o chamado círculo vicioso do preconceito lingüístico. Este círculo vicioso ajuda a perpetuar em nossa sociedade os mitos contidos no capítulo anterior. O que está sendo feito para combater dito círculo vicioso e que pode ser feito no futuro?
Resposta: A tendência atual, mencionada no livro, à critica dos preconceitos e ao exercício da tolerância tem tornado o ambiente escolar mais respirável e democrático. O Ministério da Educação tem feito esforços louváveis para provocar uma reflexão sobre os temas relacionados à ética e à cidadania plena do indivíduo, para estimular uma postura menos dogmática e mais flexível, por parte, pelo menos, das escolas públicas. No futuro precisamos livrar-nos de vários mitos: o de que existe uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que as outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado.
20) Além dos três elementos do círculo vicioso, o autor acrescenta um quarto elemento que são os comandos paragramaticais. Esses comandos paragaramaticais poderiam ser úteis para quem tem dúvidas na hora de falar ou escrever. Eles acabam indo na direção contrária. Qual seria o papel que estes comandos paragramaticais devem ter para a destruição dos mitos de preconceito lingüístico?
Resposta: O poder de influencia dos meios de comunicação e dos recursos da informática devem ser usados através dos comandos paragramaticais para elevar a auto-estima lingüística dos brasileiros, na divulgação do que há de realmente fascinante no estudo da língua.
21) Na coluna de jornal “Dicas de Português”, assinada por Dad Squarisi, cheia de preconceitos lingüísticos, sociais e étnicos, a autora afirma seu absoluto desconhecimento da complexidade dos fenômenos lingüísticos. Ela critica o uso de verbos no singular nos enunciados em que aparece o se com um verbo transitivo e um substantivo no plural. Por exemplo, vende-se casas, aluga-se salas, joga-se búzios. Usamos esta construção por que realmente somos caipiras ou jecas-tatus como ela expressa?
Resposta: Esta questão vem sendo investigada há muito tempo. Os estudos concluem que na língua falada no Brasil, no português brasileiro, ocorreu uma reanálise sintática. O falante brasileiro não considera mais esses enunciados como orações passivas sintéticas. O que a gramática normativa insiste em classificar como sujeito a gramática intuitiva do brasileiro interpretou como objeto direto. Não somos “caipiras” ou jecas-tatus, a língua muda com o tempo, segue seu curso, transforma-se.
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Perguntas do Capítulo III
A desconstrução do preconceito linguístico
22) Quais as atitudes que os professores e as pessoas de um modo geral devem tomar para romper com o círculo vicioso do preconceito lingüístico e superar a crise existente no ensino de língua portuguesa?
Resposta: Utilizando além da gramática normativa, vários instrumentos didáticos que possam complementar criticamente os compêndios da gramática tradicional.
23) Muita gente defende que é a norma culta que deve constituir o objeto de ensino/aprendizagem, mas o que é e onde está essa norma culta?
Resposta: A língua culta por razões de ordem econômica, social e cultural é reservada a poucas pessoas no Brasil.
24) O que faz interromper o fluxo natural da expressão e da comunicação do indivíduo?
Resposta: A prática tradicional do ensino, que em vez de incentivar o uso das habilidades lingüísticas, interrompe com atitudes corretivas e muitas punitivas, cuja conseqüência é o sentimento de incapacidade e incompetência.
25) De onde vem o abismo entre o conceito sócio lingüístico de norma e a noção preconceituosa de “língua culta”?
Resposta: Esse abismo nasce da recusa dos defensores da gramática tradicional de acompanhar os avanços da ciência da linguagem.
26) O autor fala que devemos mudar de atitude quanto à imposição do uso das gramáticas normativas tradicionais. Que posição devemos tomar?
Resposta: Precisamos elevar o grau da própria “auto-estima” lingüística. Impor-nos como falantes competentes da nossa língua materna, acionar nosso censo crítico toda vez que nos depararmos com um comando paragramatical e filtrar as informações realmente úteis.
Perguntas do Capítulo I V
O preconceito contra a linguística e os linguistas
28) Segundo o autor, o ensino da Gramática Tradicional e a forma como ela é repassada de uma geração para outra, permanece igual a mais de dois mil anos. Pelo outro lado, na biologia, física, química ou história houve sempre algum tipo de revolução no campo do conhecimento. Parece que nada aconteceu na ciência da linguagem. Como é possível que, mesmo nessas condições, a Gramática Tradicional ainda hoje se mantenha viva e forte?
Resposta: A Gramática Tradicional ainda hoje se mantém viva e forte porque, ao longo da história, ela deixou de ser apenas uma tentativa de explicação filosófica para os fenômenos da linguagem humana e foi transformada em mais um dos muitos elementos de dominação de uma parcela da sociedade sobre as demais. A Língua foi elevada a uma categoria abstrata assim como a Família, a Pátria, a Lei e a Fé.
29) A participação do professor Cipro Pasquale Neto no programa Fantástico é um exemplo perfeito de obscurantismo científico e faz regredir pelo menos em 25 anos os grandes avanços já obtidos pela Lingüística na renovação do ensino de língua na escola brasileira. As pessoas atribuem uma crise à língua, onde está realmente a crise, na língua ou na escola?
Resposta: O grande problema está na cabeça das pessoas que atribuem uma “crise” à língua, quando, de fato, a crise existe é na escola, é no sistema educativo brasileiro, classificado entre os piores do mundo, apesar de nosso país ser a economia mais forte do Hemisfério Sul. A língua não está em crise, muito pelo contrário: nunca na história do português foi tão falado, tão escrito, tão impresso e tão difundido mundo afora pelos mais diferentes meios de comunicação.
30) A morte do gramático Napoleão Mendes de Almeida mereceu um artigo assinado por Pasquale Cipro Neto na Folha de S. Paulo. Nesse artigo Pasquale utiliza a expressão “português ortodoxo”. Qual a definição que o autor da à ortodoxia e que noções relaciona a este conceito?
Resposta: Como se sabe, a noção de ortodoxia foi inventada – pouco depois da instituição do cristianismo como religião oficial do império romano – para definir os dogmas oficiais da Igreja. O conceito de ortodoxia se relaciona com uma série de outras noções do mesmo campo semântico: dogma, intolerância, inflexibilidade, pecado, penitencia, castigo, excomunhão e outras aparentadas.
Preconceito Linguístico: Questões Comentadas e Resolvidas
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